A demissão por justa causa é um dos temas mais sensíveis nas relações trabalhistas. Quando ocorre, significa que a confiança entre empregador e empregado foi quebrada de forma grave, tornando impossível a continuidade do vínculo contratual.
Para o profissional de RH, entender quando e como aplicar essa penalidade é essencial. E para o funcionário, conhecer seus direitos e deveres evita que atitudes sejam mal interpretadas ou punidas injustamente. Ao longo deste artigo, você entenderá como funciona a demissão por justa causa, com base legal, exemplos reais e orientações práticas.
Fundamento legal: Art. 482 da CLT
A base jurídica para esse tipo de desligamento está no Art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ele define 13 motivos específicos que caracterizam faltas graves suficientes para a demissão por justa causa.
Esse artigo é um pilar das relações de trabalho no Brasil e garante tanto os direitos do empregador quanto a proteção ao trabalhador contra decisões arbitrárias.
Diferença entre justa causa e sem justa causa
Critério | Justa Causa | Sem Justa Causa |
---|---|---|
Motivo | Quebra grave de dever contratual | Decisão unilateral da empresa, sem motivo específico |
FGTS com multa de 40% | Não recebe | Recebe |
Seguro-desemprego | Não tem direito | Tem direito |
Aviso prévio | Não recebe | Recebe |
Férias proporcionais | Só vencidas + 1/3, se houver | Recebe vencidas e proporcionais + 1/3 |
Reversão judicial comum? | Pode ser revertida caso seja mal aplicada | Geralmente, não cabe discussão judicial |
Essa distinção é crucial para evitar passivos trabalhistas.
Motivos que justificam a demissão por justa causa
A seguir, explicaremos os 13 motivos listados no artigo 482 da CLT, com exemplos de situações reais que ocorrem no dia a dia empresarial.
1. Ato de improbidade
Envolve ações como furto, roubo, fraude, falsificação de documentos ou atestados. Exemplos:
- Alterar um atestado médico.
- Furtar dinheiro do caixa da empresa.
2. Incontinência de conduta ou mau procedimento
Atitudes indevidas, como:
- Assistir conteúdos impróprios durante o expediente.
- Comportamento obsceno com colegas.
- Dormir frequentemente durante o trabalho.
3. Negociação habitual
Quando o funcionário realiza atividades comerciais que competem diretamente com a empresa, como:
- Vender serviços ou produtos semelhantes aos da empresa durante o expediente.
4. Condenação criminal do empregado
Se o colaborador for condenado criminalmente, e a pena impedir a continuidade da função, a demissão por justa causa é justificada, mesmo que o crime não tenha ocorrido no ambiente de trabalho.
5. Desídia no desempenho das funções
Desleixo e desinteresse pelas funções:
- Repetidas faltas sem justificativa.
- Atrasos crônicos.
- Falta de produtividade notória.
6. Embriaguez habitual em serviço
Estar sob efeito de álcool ou drogas ilícitas durante o expediente compromete a segurança e a reputação da empresa.
7. Violação de segredo da empresa
Divulgar informações confidenciais, como estratégias de negócio, lista de clientes ou planos internos.
8. Ato de indisciplina ou insubordinação
- Recusar-se a usar EPIs (equipamentos de proteção individual).
- Desrespeitar superiores hierárquicos.
9. Abandono de emprego
Ausência superior a 30 dias sem justificativa plausível, mudança de domicílio sem aviso ou assumir outro emprego simultâneo.
10. Agressão física ou verbal
Qualquer forma de violência contra colegas ou superiores, mesmo fora do ambiente de trabalho, se relacionada ao vínculo empregatício.
11. Prática constante de jogos de azar
Participação em apostas, jogos online ou outros tipos de jogos que atrapalham o rendimento no trabalho.
12. Perda da habilitação profissional
Casos como:
- Motoristas com CNH suspensa.
- Médicos sem CRM ativo.
13. Atos atentatórios à segurança nacional
Situações graves que envolvem terrorismo, porte ilegal de armas, ou ligação com organizações criminosas.
Conheça também como funciona a demissão por acordo conforme a CLT.
Quais os direitos do funcionário nessa situação?
✅ O funcionário demitido por justa causa tem direito a:
- Saldo salarial proporcional aos dias trabalhados.
- Férias vencidas com adicional de 1/3 (se houver).
❌ Não tem direito a:
- Aviso prévio.
- 13º salário proporcional.
- FGTS com multa.
- Seguro-desemprego.
O processo correto da demissão por justa causa
- Advertência verbal (quando aplicável).
- Advertência escrita (documentada).
- Suspensão disciplinar.
- Formalização da demissão por justa causa com registro e motivo explícito.
💡 Dica para o RH: documentar tudo com testemunhas e registros para evitar ações trabalhistas.
Possibilidade de reversão judicial
Embora a demissão por justa causa tenha respaldo legal, o colaborador pode recorrer à Justiça do Trabalho caso considere que a penalidade foi injusta ou desproporcional. Nesses casos, o empregador precisa comprovar de forma clara, objetiva e documentada que houve falta grave.
Exemplos de reversão:
- Falta de provas que sustentem o ato imputado.
- Aplicação desproporcional da justa causa (ex: uma única ausência injustificada).
- Violação do princípio da gradualidade da pena: se não houve advertências prévias em faltas leves.
➡️ O empregador pode ser condenado a indenizações, além de ter que reverter a demissão por justa causa para sem justa causa, com pagamento de todos os direitos.
Impactos para o funcionário no mercado
Ser demitido por justa causa pode causar danos significativos à reputação profissional do trabalhador. Embora essa informação não conste na carteira de trabalho, ela pode ser percebida em entrevistas ou na falta de referências de antigos empregadores.
Dicas para se reerguer após a justa causa:
- Reconhecer erros e buscar requalificação.
- Solicitar feedback e aprender com a experiência.
- Buscar novas oportunidades com foco em ética e comprometimento.
Boas práticas para o RH ao aplicar justa causa
Para os profissionais de RH, aplicar justa causa exige rigor técnico e equilíbrio ético. Qualquer descuido pode resultar em processos trabalhistas, danos à imagem da empresa e ônus financeiro.
Recomendações:
- Documentar todas as infrações, com assinaturas e testemunhas.
- Aplicar advertências progressivas, salvo em casos de gravidade imediata.
- Ter assessoria jurídica para validar a conduta.
- Manter comunicação clara, objetiva e respeitosa com o colaborador.
Casos práticos e jurisprudências relevantes
Vamos ver alguns exemplos reais julgados na Justiça do Trabalho:
Caso 1: Funcionário foi demitido por justa causa por usar o cartão de ponto de um colega.
- Decisão: Mantida a demissão por justa causa, caracterizado o ato de improbidade.
Caso 2: Trabalhador dispensado por “mau procedimento” após comentário ofensivo em rede social.
- Decisão: Reversão da justa causa por falta de proporcionalidade e ausência de advertência prévia.
Caso 3: Abandono de emprego por 32 dias sem justificativa.
- Decisão: Justa causa confirmada, empresa apresentou provas das tentativas de contato.
Essas decisões mostram como o contexto, as provas e a proporcionalidade influenciam a interpretação legal.
Conclusão: agir com responsabilidade e clareza
A demissão por justa causa não é apenas um ato jurídico — é uma decisão sensível e estratégica. Tanto para o RH quanto para os colaboradores, compreender os limites e os deveres da relação trabalhista é essencial para manter um ambiente saudável e justo.
Empresas que aplicam corretamente a legislação e funcionários que conhecem seus direitos constroem relações mais sólidas, baseadas na ética, confiança e profissionalismo.
Perguntas frequentes
1. O que é necessário para configurar justa causa?
É necessário que o ato cometido seja grave, esteja previsto no Art. 482 da CLT e, preferencialmente, documentado com provas. Em casos leves, deve haver advertência prévia.
2. Quais são os direitos de quem é demitido por justa causa?
O trabalhador só tem direito a:
- Saldo de salário;
- Férias vencidas + 1/3;
Não recebe: aviso prévio, 13º proporcional, saque do FGTS, multa de 40% ou seguro-desemprego.
3. É possível reverter uma demissão por justa causa?
Sim. A reversão pode ocorrer judicialmente se for provado que houve exagero, falta de provas ou ausência de advertências em casos leves.
4. O que o RH deve fazer antes de aplicar justa causa?
- Reunir provas documentais e testemunhais;
- Aplicar advertências;
- Consultar o setor jurídico;
- Formalizar por escrito o motivo da demissão por justa causa.
5. O que configura abandono de emprego?
A ausência injustificada por mais de 30 dias, sem qualquer contato com o empregador, caracteriza abandono.
6. Posso ser demitido por justa causa por um post nas redes sociais?
Sim, se o conteúdo for ofensivo, discriminatório ou prejudicar a imagem da empresa.